Escravo chinês denuncia trabalhos forçados em bilhete escondido em brinquedo
Parece história de filme, mas aconteceu de verdade. Em um dia comum, a norte-americana Julie Keith foi ao mercado comprar artigos de decoração para o Halloween. No entanto, dentro de um dos brinquedos que escolheu – uma espécie de imitação de lápide – para assustar quem passasse em frente a sua casa, encontrou algo apavorante de verdade: um pedido de socorro de um escravo chinês, que vivia em condições desumanas em um campo de trabalho forçado chamado Masanjia.
Jornadas de trabalho diárias de mais de 12 horas, sem descanso nos finais de semana ou feriados, além de espancamentos, privação de sono e torturas psicológicas foram alguns dos horrores descritos por Zhang – codinome escolhido pelo escravo chinês – em um inglês meio torto. “Se você comprar este produto, por favor, mande esta carta para a Organização Mundial de Direitos Humanos. Milhares de pessoas na China (…) vão ser gratas para sempre”, dizia o homem, no bilhete encontrado por Keith.
A norte-americana tentou pedir ajuda a alguns grupos defensores dos direitos humanos, mas, sem sucesso, recorreu ao Facebook. Foi na rede social de Zuckerberg que a história teve repercussão e ganhou o noticiário internacional, alertando para o problema do trabalho escravo na China.
O episódio aconteceu há alguns anos – Zhang escreveu o pedido de socorro em 2008, Keith comprou o brinquedo em 2011 e o bilhete foi encontrado em 2012 –, mas ganhou os noticiários, novamente, neste mês de novembro. Isso porque a CNN encontrou o escravo chinês autor da carta e, sob garantia de anonimato, conseguiu que ele concedesse sua primeira entrevista contando os horrores que viveu em Masanjia.
Segundo Zhang, ele foi levado ao campo de trabalho forçado pela própria polícia chinesa, pouco antes dos Jogos Olímpicos de Verão que aconteceram em Pequim, em 2008. O motivo? O mesmo que levou outras milhares de pessoas a serem escravizadas em Masanjia: divergências políticas e religiosas. Zhang era seguidor de um movimento espiritual chamado Falun Gong, que desde 1999 era proibido pelo governo chinês por ser considerado um “culto maligno”.
Condenado a passar 2,5 anos no campo de trabalho forçado – onde a tortura era mais intensa para aqueles que, como Zhang, recusavam-se a mudar suas crenças políticas e religiosas –, o chinês decidiu pedir ajuda por carta. Foram 20 bilhetes escritos na “ilegalidade”, com papel e caneta contrabandeados, e só um deles teve o destino que Zhang esperava. Cerca de três anos depois que o pedido de socorro foi escondido no brinquedo, Keith comprou o produto em um mercado dos EUA e encontrou o bilhete 12 meses depois.
Hoje, Zhang está livre e Masanjia, aparentemente, foi desativado. O chinês, no entanto, continua lutando por aqueles que não tiveram a mesma sorte que ele e continuam escravizados na China. Segundo Zhang, ainda há muitos campos de trabalho forçado no país asiático.
Foto: Julie Keith/Divulgação